Na semana retrasada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
dirigente do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), escreveu
uma carta pública, reconhecendo que os membros do PSDB
erraram seriamente quando se calaram em 2005. Disse ele que no
momento em que explodiram os escândalos envolvendo o PT
e o governo Lula, deveriam haver sido muito mais enérgicos.
Esta carta de FHC é um importante fato político:
mostra, mais claro do que nunca, a falência total da oposição
burguesa brasileira e a divisão total do PSDB, aquele que
seria o último reduto do desenvolvimentismo ou de uma saída
programática burguesa clássica para o país.
Na sua carta, escreveu Fernando Henrique: Pois bem, nós
do PSDB não fomos suficientemente firmes na denúncia
política de todo esse descalabro no momento adequado.
Ou seja, admitiu a covardia da burguesia em 2005, quando esta
não foi capaz de avançar o impeachment contra o
governo Lula. Na época, o presidente Lula cambaleava, cercado
de denúncias de corrupção, mas, nem o PSDB,
nem a maioria da esquerda teve a coragem de chamar a derrubada
do seu governo. Quanto ao PSDB e ao PFL (Partido da Frente Liberal),
podemos compreender os seus temores: avaliavam como perigoso o
movimento de massas que se abriria com a queda de Lula e pensavam
que não valia a pena correr tal risco. Acreditavam que
as denúncias tornariam Lula um candidato fraco para as
próximas eleições, e já cantavam a
vitória que hipoteticamente lhes viria pelas urnas em 2006.
Mas também a esquerda não colocou a derrubada
de Lula em 2005 como algo necessário. A indignação
era generalizada na população, mas a esquerda se
calava, fazendo críticas e manifestações
muito aquém do que permitiam e exigiam os escândalos.
Mas, por que essa relativa timidez da própria esquerda?
Ora, preparava essa esquerda também já o seu próprio
projeto eleitoral burguês: projetava uma frente de esquerda
em torno da candidatura presidencial da senadora Heloísa
Helena, uma trotsquista-cristã (assim, ela
própria se define) que fora expulsa recentemente do PT
e que fundara o PSOL com outros dissidentes do PT.
Observamos que, paradoxalmente, Heloísa Helena é
filiada à corrente internacional trotsquista-pablista
diretamente herdeira de Pablo e de Mandel, que no Brasil é
conhecida como Democracia Socialista. Ora, parte desta corrente
permanece dentro do PT de Lula e, além disso, ocupa a Secretaria
Geral do partido com o seu dirigente máximo Raul Pont.
Neste ano, em 2006, surgiu de fato a chamada Frente de
Esquerda que reuniu três partidos de esquerda.
O partido amplamente hegemônico, porém, é
o PSOL (Partido do Socialismo e da Liberdade), liderado por Heloísa
Helena. Este partido aglutina diversos grupos do trotsquismo
revisionista, assim como, outros setores centristas não
vindos do trotsquismo (como setores da Consulta Popular),
e mesmo pequeno-burgueses e burgueses oportunistas que saíram
recentemente do PT.
Da Frente de Esquerda participa também o
PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), atualmente
a principal seção da Liga Internacional dos Trabalhadores
(LIT), fundada pelo argentino Nahuel Moreno. O PSTU aglutina vários
sindicalistas e tem certa base nos bancários e nos operários,
se caracteriza por ser mais combativo que o PSOL, mas o seu marxismo
é um ecletismo onde convivem trotsquistas,
luckácianos e seguidores de Gramsci.
Na Frente de Esquerda ainda participa o PCB (Partido Comunista
Brasileiro), uma espécie de cadáver putrefato do
stalinismo clássico, hoje, sem grande expressão
política, aglutina mais velhos comunistas revisionistas,
sobretudo, aqueles que aderiram ao Eurocomunismo nos anos 70.
Como se vê, pela sua composição, a Frente
de Esquerda que apóia Heloísa Helena à presidência
é uma frente centrista oportunista, com algumas características
claras de frente popular.
Pois bem, a verdade é que em 2005, tanto a direita como
a esquerda pensaram que não precisavam derrubar
Lula. De forma oportunista, pensaram que seria melhor e mais fácil
derrubá-lo nas urnas. Cometeram um grande engano. Lula
se recuperou usando a máquina do Estado, a máquina
da CUT (Central Única dos Trabalhadores) controlada pelo
PT, e a máquina da UNE (União Nacional dos Estudantes)
controlada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), outro cadáver
stalinista. Usando ainda o dinheiro e a força das empresas
estatais (como a Petrobrás), aumentando os recursos aos
programas assistencialistas de apoio à população
mais pobre do Nordeste do país, comprando intelectuais,
políticos, jornalistas e igrejas messiânicas, Lula
foi recuperando - ainda que artificialmente - o seu prestígio.
Ainda que seja repudiado nos grandes centros urbanos, ainda
que apareça como repugnante entre os trabalhadores mais
organizados e a juventude mais politizada, segundo as últimas
pesquisas, Lula deverá vencer já no primeiro turno
das eleições que ocorrerão em começo
de outubro próximo.
Nas últimas pesquisas, hoje, o presidente Lula venceria
no primeiro turno, com 56% dos votos válidosexcluindo
brancos e nulos. Em seguida, aparece o candidato do PSDB, Geraldo
Alckmin, cuja taxa de intenção de voto oscila entre
de 27% e 28%. Enquanto a taxa de intenção de voto
na candidata da Frente de Esquerda, líder do PSOL, Heloisa
Helena, permanece em 9%. Num eventual segundo turno entre Lula
e Alckmin, o petista venceria com 55% das intenções
de voto contra 38% do candidato do PSDB.
Como se vê, tanto os partidos burgueses como a esquerda
pequeno-burguesa centrista se enganaram nas suas apostas oportunistas
de 2005. Nada fizeram para derrubar Lula e hoje vivem o desespero
e a crise originadas nos seus próprios erros.
Novos escândalos envolvem o PT
No entanto, novos escândalos explodiram estes dias, envolvendo
o PT e, talvez, diretamente, o próprio presidente Lula.
O ministro do Supremo Tribunal Eleitoral, Marco Aurélio
de Mello, se pronunciou hoje (19/09), dizendo que os fatos são
graves e eventualmente poderiam até impugnar a candidatura
ou a posse de Lula. O PT teria comprado por cerca de 2 milhões
de reais uma série de documentos falsos para forjar acusações
contra os candidatos Alckmin (candidato à presidência)
e José Serra (candidato ao governo de São Paulo),
ambos do PSDB. Além disso, no dia 17/09, descobriu-se escuta
telefônica nos aparelhos de três ministros do Supremo
Tribunal Eleitoral.
Como declarou hoje o ministro Marco Aurélio de Mello,
ainda seria cedo para saber do desenvolvimento dos fatos que começaram
a serem investigados hoje pelo próprio Supremo Tribunal
Eleitoral, mas não se afasta um processo contra o presidente,
mesmo depois da vitória nas urnas. Lula se diz revoltado
e insinua que é uma armação para derrubá-lo.
Chegou a dizer que, se necessário, recorrerá ao
apoio direto das massas. De qualquer forma, por enquanto, parece
difícil que estes novos fatos possam alterar o resultado
imediato da eleição que ocorrerá dentro de
alguns dias.
A verdade, de qualquer forma, é que os escândalos
de corrupção e gansterismo envolvendo os políticos
de todos os partidos parece não ter fim. Recentemente,
um jornalista, Fernando Rodrigues, fez uma pesquisa mostrando
que em quatro anos, os políticos tiveram uma evolução
no seu patrimônio pessoal, em média, de cerca de
90%, números esses que são evidentemente extraordinários.
Nesse sentido, se lamentava Fernando Henrique Cardoso: Não
será agora, durante a campanha eleitoral, que conseguiremos
despertar a população. Mas, para nos diferenciarmos
da podridão reinante, temos a obrigação moral
de não calar. Ou seja, Fernando Henrique praticamente
reconheceu já a derrota de Alckmin do PSDB e fez uma espécie
de chamamento moral. Ora, isto soou como uma nova
acusação a lideranças do PSDB que continuariam
na sua covardia habitual se calando. Trata-se, disse
ele, de um chamamento moral para apenas tentar se
diferenciar da podridão reinante.
Portanto, no caso de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB, percebe-se
um desespero crescente ao ver a impotência total da burguesia
diante do Bonaparte, Lula, que aliado ao grande capital financeiro,
já cavalga as massas com grande independência de
boa parte da burguesia regional. Essa independência prenuncia,
evidentemente, que no segundo mandato, Lula-Bonaparte poderá
até romper mais arbitrariamente as regras das instituições
vigentes, indo mais longe do que no primeiro mandato, quando já
governou seduzindo o congresso corrupto, as massas, e setores
dos intelectuais, com cargos, verbas públicas e vantagens
do poder.
Como se podia perceber desde o segundo semestre de 2005, vivemos
uma profunda crise da dominação burguesa no Brasil.
A burguesia não é mais capaz de governar da mesma
forma que governou o país desde a queda da ditadura militar
há vinte anos atrás. O governo do PT mostrou-se
igual ou pior a tudo que ocorreu nesse período: Sarney,
Collor e Fernando Henrique. Nenhum novo projeto mais consistente
surgiu, nem na direita e nem na esquerda. Alckmin, candidato do
PSDB, tenta reviver o projeto desenvolvimentista da burguesia
brasileira dos anos 50, como foi aquele do presidente Juscelino
Kubicheck (o criador de Brasília e da indútria automobilística).
Evidentemente, não consegue grande credibilidade nem entre
o empresariado que, em grande parte, prefere o Bonaparte-Lula,
bom guardião da estabilidade social.
Mas, o pior é que a Frente de Esquerda de Heloísa
Helena apresentou um esboço de programa com características
similares. O esboço de programa redigido por César
Benjamin, candidato a vice-presidente na chapa de Heloísa,
também apresenta as mesmas características desenvolvimentistas
propostas por Alckmin, apenas se diferenciando por possuir mais
elementos reformistas. Mas, como o PSDB, também a Frente
de Esquerda propõe soluções mágicas
para o desenvolvimento do país: baixar os juros, reforma
disto, reforma daquilo, mas, nenhuma transformação
estrutural. Particularmente, a Frente de Esquerda não propõe
o socialismo. Segundo afirma Heloísa Helena, de forma aberta,
o socialismo faz parte do programa do seu partido, mas, não
faz parte do seu programa de governo. O socialismo, segundo ela,
só pode ser pensado para um futuro distante.
Nestes dias, Eduardo Almeida, dirigente do PSTU, apesar de
participar da Frente de Esquerda, escreveu uma crítica
a esse projeto de programa elaborado por César Benjamin.
Só que nas suas críticas ao desenvolvimentismo do
programa, não deixa claro que essa é a linha política
não só de César Benjamin, mas sim, da própria
Heloísa Helena e da maioria da Frente de Esquerda. Em todas
as entrevistas e declarações Heloísa Helena
apresenta exatamente essa linha reformista-nacional: sugere baixar
os juros, fazer esta e aquela pequena reforma, como se essas medidas
pudessem resolver uma crise estrutural do capitalismo brasileiro,
uma crise que, sem dúvida, é inseparável
da crise estrutural do capitalismo latino-americano e mundial.
Portanto, Eduardo Almeida, como dirigente do PSTU, devia polemizar
não apenas com César Benjamin, mas sim com a direção
do próprio PSTU. Devia Eduardo Almeida perguntar aos seus
companheiros do PSTU e a si mesmo: que o PSTU faz dentro
da Frente de Esquerda? E também: o PSTU é
cúmplice dessa frente-popular desenvolvimentista que bloqueia
os trabalhadores e a juventude? E ainda: o PSTU também
diferencia programa de governo e programa do partido?
Infelizmente, parece que o PSTU se aproxima cada vez mais dessas
posições do PSOL. Assim é que nesta última
sexta-feira o PSTU lançou uma proposta de programa para
a Frente de Esquerda. Fora uma ou outra reminiscência do
Programa de Transição de Trotsky, a proposta de
programa do PSTU é também uma proposta de programa
de governo, e de governo burguês. O socialismo parece que
fica só para os dias de festa.
Como declarou recentemente o renegado, mas lúcido, sociólogo
Francisco Weffort - fundador e ex-secretário geral do PT,
depois ministro da cultura de Fernando Henrique: É
evidente que os partidos que temos são incapazes de gerar
projetos para o país (...). É claro que a política
econômica permanece sob os constrangimentos do capital financeiro
(jornal Folha de SP, 10/09).
De fato, o quê resta para os trabalhadores e para a juventude
diante da Social Democracia decadente de Fernando Henrique e Alckmin,
diante do PT de Lula, diante do PSOL de Heloísa Helena
e do PSTU que se uniu ao PSOL?
Caso os últimos escândalos não tenham conseqüências
mais graves, Lula, provavelmente, será reeleito e para
governar como Bonaparte, apoiado nas massas mais atrasadas e no
capital financeiro. Nesse caso, exercerá o poder, certamente,
não nas formas tradicionais da democracia burguesa brasileira
que surgiram depois da ditadura. Lula já evoluiu e possivelmente
aprofundará essa evolução para um governo
bonapartista e até semi-ista. Nesse sentido, disse ainda
Weffort, a respeito do seu ex-companheiro: Do Lula não
espero nada e torço para que a desmoralização
a que levou o Estado não desemboque numa crise institucional.
(Folha de SP, 10/09). De fato, nada se pode esperar dos partidos
existentes e de Lula somente se pode esperar essa evolução
ao autoritarismo e à arbitrariedade absoluta.
Que fazer?
Diante disso, o quê fazer hoje no Brasil? Nesta eleição
só resta votar nulo e começar a construir uma nova
organização para os trabalhadores e a juventude.
Mas, certamente, diante da urgência e da gravidade do momento,
não se pode propriamente construir um partido institucional,
pois, isto é muito difícil e lento no Brasil. A
legislação autoritária procura justamente
impedir a criação de novos partidos.
Para conseguir registro partidário no Brasil, a legislação
exige 400.000 assinaturas obtidas em vários estados da
federação. Uma organização formada
realmente a partir de princípios programáticos,
certamente, leva vários anos para conseguir esse número
de assinaturas em escala nacional. Mesmo o PSOL, que partiu sua
campanha de assinaturas já com vários deputados
federais e senadores (os que saíram do PT), levou dois
anos para conseguir as 400.000 assinaturas distribuídas
em vários estados.
Além disso, no processo eleitoral deste ano, passa a
valer uma lei conhecida como cláusula de barreira.
Esta lei prevê que só terão direito à
representação na Câmara dos Deputados os partidos
que conquistarem, pelo menos, 5 por cento do total de votos válidos
na eleição para deputado federal. Os partidos, para
terem seus votos validados, também terão que eleger
representantes em nove Estados, com um mínimo de 2 por
cento de votos em um deles.
Para que se tenha uma idéia da dificuldade imposta,
se esta medida já tivesse validade na eleição
de 2002, apenas sete partidos teriam conquistado percentual suficiente
para sobreviver: PT (18,38 por cento), PSDB (14,32 por cento),
PFL (13,37 por cento), PMDB (13,35 por cento), PPB (7,81 por cento),
PSB (5,27 por cento) e PDT (5,12 por cento). Desapareceriam do
cenário político partidos como o PTB (4,63 por cento)
e o PCdoB (2,25 por cento) que possuem décadas de existência.
Assim, como se vê, nesta eleição, o próprio
PSOL de Heloísa Helena e o PC do B de Aldo Rebelo, atual
presidente da Câmara Federal de Deputados, estão
ameaçados de desaparecerem.
Diante de tudo isso, hoje, no Brasil, é necessário
começar a lutar de outro modo. Se nesta eleição
só resta anular o voto, a agitação pelo voto
nulo está se transformando no começo de uma nova
organização. Nesse sentido, se aglutinam e se organizam
já centenas de trabalhadores, desempregados e setores da
juventude em diversos comitês que aparecem por todo o Brasil.
Segundo pesquisas recentes do instituto Datafolha, a campanha
pelo voto nulo teria sido a que mais cresceu desde a última
eleição, atingindo um crescimento proporcional em
relação a 2002 de 500%. Comitês pelo voto
nulo surgem em diversas regiões da cidade de São
Paulo e em diversas cidades do país, tais como Osasco,
Santo André, São Bernardo, Taboão, Embu,
Francisco Morato, Franco da Rocha, Bauru, Rio de Janeiro, Santos,
Araraquara, Toledo, Cascavel, Maceió, Belém, Salvador.
Trata-se de um processo de organização direta
dos trabalhadores, dos desempregados e da juventude, que dá
uma resposta imediata, talvez, a única hoje possível
no Brasil. Trata-se, talvez, da única resposta possível,
hoje, no Brasil, aos partidos burgueses e aos partidos reformistas
e traidores, tais como o PT e o PSOL. Mas, é importante
reafirmar, o voto nulo não é apenas um símbolo
de revolta, e sim, o símbolo do novo que já se ergue
no horizonte.