Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 24 de abril de 2007.
No dia 17 de abril, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas realizou a sua primeira discussão acerca das mudanças
climáticas. O Conselho considerou as alterações
no clima sérias ameaças à segurança
e à estabilidade política. Além dos 15 membros
do Conselho presentes, outros 38 membros das Nações
Unidas enviaram representantes para se pronunciar. Apesar de nenhuma
ação ter sido proposta no final dessa reunião,
a sua convocação revela um crescente desconforto
entre as potências mundiais em relação à
instabilidade social que poderia ocorrer em função
das conseqüências do aquecimento global.
A secretária do exterior britânica, Margaret Beckett,
presidente do Conselho de Segurança, introduziu o tema
com a seguinte declaração: "o Conselho de Segurança
é o fórum que discute questões que ameaçam
a paz e a segurança da comunidade internacional. O que
dá início a uma guerra? Lutas pela água.
Mudanças de padrões das chuvas. Lutas pela produção
de alimentos, pelo uso da terra", disse ela. "Existem
algumas grandes ameaças potenciais à nossa economia...
mas também à paz e à segurança".
Citando as descobertas do Painel Intergovernamental sobre a
Mudança Climática (IPCC) da ONU, Beckett salientou
os riscos do aumento da fome, das enchentes e de explosões
de epidemias, que deverão ocasionar migrações
em massa; aumento da competição por alimento, terras
cultiváveis, água e energia; e profundas crises
econômicas.
As projeções científicas, que são
amplamente aceitas, são muito graves. As populações
mais pobres sofrerão mais cedo e de forma mais intensa.
Muitas já estão enfrentando climas extremos e recebendo,
aliás, pouco apoio do governo. As populações
do subcontinente indiano, da China e da região andina na
América do Sul são extremamente vulneráveis
ao derretimento das geleiras, que servem como suprimento de água.
O derretimento provocará o aumento das inundações
e, finalmente, a extrema escassez de água. A baixa colheita
das safras no já quente e seco continente africano pode
deixar milhões de pessoas sem condições de
produzir alimento. Populações litorâneas ao
longo do sudeste asiático, do Caribe e do Pacífico,
assim como em grandes cidades, como New York, Londres, Cairo e
Tókio, correrão, a partir de meados deste século,
riscos permanentes de serem desalojadas de uma hora para outra.
Sem se aprofundar nessas potenciais catástrofes humanas,
Beckett citou o Relatório de Pesquisa sobre a Mudança
Climática, realizada pelo Tesouro Britânico, que
adverte que as alterações no clima devem causar,
muito provavelmente, convulsões econômicas "numa
escala semelhante àquelas relacionadas às grandes
guerras e à depressão econômica da primeira
metade do século XX". "Isso terá inevitavelmente
um impacto sobre a segurança de todos nós
tanto de países desenvolvidos quanto de países em
desenvolvimento", disse ela. A maioria dos países
membros da ONU concordaram que isso representa significativos
riscos à estabilidade política e econômica.
Todavia, essa avaliação também encontrou
resistência, que era, aliás, previsível. O
embaixador russo, Vitaly Churkin, insistiu que o assunto da mudança
do clima não cabia ao Conselho de Segurança. O embaixador
paquistanês, Farakuh Amil, representando o grupo de 77 nações
em desenvolvimento, declarou que discutir a questão da
mudança climática não somente "infringe"
a autoridade da ONU, mas ainda "compromete os direitos dos
membros gerais das Nações Unidas".
O embaixador venezuelano, Pui Leong, concordou, ressaltando
que "o assunto da energia é uma questão que
cabe apenas à soberania dos estados, como parte de suas
políticas de desenvolvimento nacional... todo país,
sobre a base de sua soberania, tem autoridade para decidir a respeito
do uso de seus recursos naturais e estabelecer as suas próprias
políticas ambientais e energéticas".
O embaixador norte-americano, Alejandro Wolff, reforçou
este ponto de vista falando sobre a política energética
adotada pelo governo Bush, que inclui uma despesa de US$5 bilhões
em incentivos e de US$ 1,65 bilhão em crédito, cujo
suposto objetivo é reduzir as emissões de gases
estufa. Um quarto das emissões mundiais que provocam o
aquecimento é produzido somente pelos EUA.
De acordo com o resumo da discussão da ONU, Wolff disse
que a estratégia administrativa mais eficiente para permitir
que os estados se preparem contra as ameaças à "segurança
e à estabilidade" é promover métodos
que "estimulem a educação, o cumprimento das
leis, a liberdade humana e a oportunidade econômica".
Em outras palavras, a resposta do governo dos EUA à mudança
climática é a de implementar isenções
de impostos para grandes empresas nos EUA, enquanto apóia
o desenvolvimento capitalista de outros países. Isso criaria,
de alguma forma, os recursos necessários para dedicar-se
às alterações climáticas.
Wolff declarou que os EUA têm uma "longa história
de ajuda, buscando sempre criar as condições para
que as pessoas possam viver em sociedades democráticas,
com economias robustas e governos fortes e estáveis".
Presume-se que essa "ajuda" inclua a invasão
norte-americana do Iraque, que tem, na verdade, o objetivo de
garantir o controle sobre as reservas petrolíferas do país.
O debate que vem ocorrendo na ONU sobre a mudança climática
e a administração do aquecimento global é
uma luta entre os governos nacionais para atender seus próprios
interesses no cenário internacional. Enquanto há
a preocupação de que a mudança climática
pode ter conseqüências políticas e econômicas
jamais vistas, esses estados capitalistas concorrentes não
têm meios para responder seriamente a essa questão,
a não ser se preparar para as crises e os levantes sociais.
Os EUA, por sua vez, defendem os interesses a curto prazo de
sua elite, assumindo o controle de recursos naturais e energéticos
por meio da privatização e da guerra, e recusando-se
permanentemente a assinar os protocolos internacionais. As tensões
entre as nações cresceram pelo fato dos EUA e de
outros grandes poluidores não aceitarem os tratados internacionais
sobre o clima, baseados na publicação da Pesquisa
Independente sobre a Mudança Climática.
Enquanto o governo Bush fez de tudo para impedir qualquer discussão
séria sobre o aquecimento global, setores das instituições
políticas e militares estão se preparando para as
conseqüências desse aquecimento, por meio do desenvolvimento
de estratégias militares. Em artigo publicado um dia depois
do encontro do Conselho de Segurança, militares norte-americanos
descreveram a terrível situação, enfrentando
os poderes mundiais.
Falando sobre estudos climáticos já realizados,
o artigo adverte que em três ou quatro décadas a
mudança climática gerará guerras pela água,
haverá o crescimento da fome e das epidemias, a inundação
de grandes cidades costeiras e migrações humanas
em massa. "O resultado caótico disso pode ser a incubadora
para disputas civis, genocídios e o crescimento do terrorismo",
declaram, pedindo a preparação militar dos EUA.
O artigo Segurança Nacional e a Ameaça da Mudança
Climática foi elaborado pelo grupo ligado à segurança
nacional do governo, pelo Centro de Análises Navais (CNA),
com a co-autoria do comitê consultivo, que inclui altos
militares aposentados, entre eles seis almirantes da marinha e
cinco generais.
Enquanto não são convocados pelo governo Bush
ou pelo Pentágono, alguns dos autores, que têm estreitos
laços com membros do Departamento de Defesa, afirmaram
que diversas divisões do exército estão examinando
o problema da mudança climática.
O tom sóbrio e urgente da publicação é
notável. Alguns estrategistas consideram que o atraso das
companhias petrolíferas em se interessar pelos documentos
do clima é uma demonstração de extrema negligência
e imprudência. Os mais amplos setores das instituições
políticas reconhecem que os lucros à curto prazo
conquistados por meio da política atual estão sendo
realizados à custa dos lucros a longo prazo e da hegemonia
norte-americana.
Em particular, os representantes militares estão preocupados
com o fato de que a dimensão da possível catástrofe
poderia estimular uma revolução e um levante político.
"Diversas nações em desenvolvimento não
têm infra-estrutura governamental e social para enfrentar
o tipo de pressão que a mudança do clima global
trará", afirma o artigo. "Quando um governo não
é mais capaz de garantir os serviços à sua
população, assegurar a ordem interna e proteger
as fronteiras da nação contra invasões, as
condições se tornam perfeitas para que a desordem,
o extremismo e o terrorismo ocupem o vazio de poder".
Enquanto nações em desenvolvimento com grandes
populações são vistas como extremamente vulneráveis
para tais levantes sociais, o artigo observa ainda que todas as
regiões do mundo deverão experimentar profundas
desestabilizações, incluindo os países desenvolvidos
da Europa. O artigo defende o fortalecimento das bases militares
dos EUA e dos governos aliados em regiões instáveis
do mundo.
Assim como os estudos científicos que têm sido
publicados recentemente, o artigo prevê que as doenças,
a seca e as inundações tornarão regiões
já afetadas por crises, como o Oriente Médio, a
Ásia e a África, ainda mais instáveis. A
migração em massa das regiões costeiras e
dos países pobres para os ricos é vistas como algo
muito provável, exacerbando conflitos sociais. Tal desenvolvimento
pode fazer com que apelos governamentais reacionários estimulem
o nacionalismo e a xenofobia, levando a ardentes conflitos na
Europa e na América do Norte.