Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia22 de junho de 2007.
Um escândalo envolvendo a exploração brutal
de trabalho escravo na indústria de tijolos da China confirmou
mais uma vez o absurdo que é descrever o país como
socialista ou comunista.
A mídia chinesa relatou no dia 27 de maio que a polícia
havia resgatado 31 trabalhadores escravizados de uma olaria no
condado de Hongdong na província de Shanxi. Antes de sua
libertação, esses trabalhadores eram forçados
a trabalhar 18 horas por dia sem qualquer pagamento sob a vigilância
de guardas e cães. Para comer, só lhes davam pão
e água. Todos sofriam queimaduras em seus corpos por carregarem
tijolos quentes. Oito deles estavam tão perturbados que
não conseguiam nem se lembrar de onde eram. Nenhum tinha
acesso a banho. O Shanxi Evening News relatou que a sujeira em
seus corpos era tão grossa que poderia ser raspada
com uma faca.
O filho de um secretário local do Partido Comunista
era dono da olaria. Ambos pai e filho foram detidos. A maioria
de seus escravos eram trabalhadores rurais migrantes sequestrados
em estações de trem em Zhengzou e Xian, capitais
das províncias de Henan e Shaanxi. Um havia sido morto
por guardas por trabalhar muito devagar.
A batida policial não foi de iniciativa do governo em
nenhum nível, mas sim resultado de uma campanha de pais
que perderam seus filhos para olarias. No mês passado, eles
pressionaram a televisão de Zhangzhou a noticiar a existência
de trabalhadores escravos, levando finalmente as autoridades locais
a agirem.
O escândalo se espalhou depois que 400 pais da província
de Henan escreveram um abaixo-assinado na internet, no qual pediam
por ajuda a resgatar seus filhos escravizados em várias
olarias. Eles alegavam que mil crianças haviam sido sequestradas
e vendidas a proprietários privados por quantias tão
baixas quanto 500 yuan ou 65 dólares americanos. As crianças
eram forçadas a trabalhar 14 horas por dia e algumas tinham
somente 8 anos de idade. Algumas haviam se tornado inválidas
ou morrido como resultado de trabalho excessivo e abusos.
Chai Wei, cujo filho de 17 anos desaparecera em abril em Zhengzhou
contou ao jornal Xinjngbao que havia feito buscas em várias
dezenas de olarias. Os lugares onde essas crianças
viviam eram piores do que canis. Não havia camas, eles
dormiam em tábuas de madeira e as paredes eram cobertas
de excrementos. Nós ainda estamos assustados com o que
vimos. Ele disse que a polícia local não ajudava
os pais em nada. Muitos da polícia local são
próximos dos donos das olarias e os avisavam com antecedência
se algum grupo de busca estava vindo. Nós aprendemos a
não confiar neles e a visitar as olarias uma por uma sozinhos.
Dentro de uma semana, o abaixo-assinado tinha sido visto 310.000
vezes no site original. Quando foi colocado no site mais popular
Tianya em 7 de junho, foi visto 580.000 vezes dentro de somente
6 dias e atraiu 3.000 comentários. Nas palavras do jornal
oficial China Daily, o escândalo chocou a nação
e causou furor entre o público.
O presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao foram
obrigados a ordenar o Ministério do Trabalho e da Previdência
Social, com assistência do Ministério Público
e a central sindical controlada pelo Estado, a lançar uma
campanha a servir de exemplo. Até domingo passado à
noite, 45.000 policiais haviam revistado 8.000 olarias e pequenas
minas de carvão nas províncias de Shanxi e Henan.
A operação libertou 591 escravos, incluíndo
51 crianças. No entanto, críticos apontaram que
isso era somente a ponta do iceberg.
As primeiras 31 vítimas libertadas receberam indenização
de somente 1.000 yuan (130 dólares) cada, mais pagamento
por seus serviços baseado em um salário mensal de
apenas 1.410 yuans (186 dólares). O governo de Hongdong
está enviando times ao redor do país para visitar
as famílias das vítimas e pedirem desculpas.
Até agora, 168 operadores de fábricas ou associados
foram presos. No condado de Hongdong, 20 oficiais foram removidos
ou estão sob investigação. A polícia
está caçando mais 20 pessoas. Como no caso dos desastres
das minas de carvão que matam milhares de trabalhadores
todo ano, esses oficiais de baixo escalão ou chefes pequenos
correm o risco de se tornarem bode expiatório.
A verdadeira responsabilidade é da liderança
do Partido Comunista Chinês (PCC) e sua política
pró-mercado. A pobreza aprofundada força dezenas
de milhões de trabalhadores rurais às cidades para
servirem como trabalho barato superexplorado. A maioria foi parar
em maquiladoras que não se provam muito melhores do que
escravidão escancarada. Essa enorme população
flutuante, por sua vez, cria as bases para o negócio
lucrativo do tráfico de humanos, frequentemente com o acordo
entre oficiais locais, proprietários e gangues organizadas.
A movimentada estação de trem de Zhengzhou, na
qual passam 150.000 pessoas por dia, é famosa por ser o
centro de comerciantes de escravos. Muitas pessoas foram sequestradas
ou atraídas ali com falsas promessas de trabalho e então
vendidas como escravas a olarias rurais ou minas de carvão
em lugares distantes. Uma vítima de 16 anos de idade, Zhu
Guanghui, disse a repórteres que um inspetor local do trabalho
o vendeu por 300 yuan (40 dólares).
De acordo com o jornal Chongqing Chengbao, 95% de olarias no
condado de Hongdong operavam ilegalmente sem aprovação
governamental. Devido à crescente demanda por tijolos para
suprir o boom nacional na construção, olarias foram
montadas por todo interior de Shanxi. Yang Peng, que dirige uma
fábrica de tijolos legal, disse que o preço
do tijolo havia aumentado 150% desde que começou seu negócio
muitos anos atrás. Trabalhadores migrantes são
pagos menos do que os da região. Para cortar os custos,
chefes de olarias contratam mais e mais migrantes. Para manterem
as pessoas trabalhando por um longo período, muitos donos
de olarias mantêm os salários atrasados. Os trabalhadores
foram frequentemente espancados quando pediram seus pagamentos,
explicou ele. O uso de trabalho escravo é certamente chocante,
mas não é um segredo. Muitas olarias, minas de carvão
e fábricas, legais e ilegais, vêm usando escravos
ou trabalho servil por anos. As leis mínimas de trabalho
da China não fazem o menor efeito na operação
do mercado de trabalho capitalista. O crescimento frenético
do país exige enormes quantidades de tijolos e carvão
a baixo preço. A burocracia chinesa, que está atarefada
fazendo dinheiro através de suas negociações
comerciais, simplesmente fecha seus olhos. Até mesmo a
agência oficial de notícias de Xinhua teve que observar
no domingo passado: A razão por que crimes tão
flagrantes eram cometidos nas olarias de Shanxi é que homens
de negócio junto com oficiais locais trabalhavam como unha
e carne.
A preocupação real da liderança do PCC
é que se torna cada vez mais difícil manter os trabalhadores
comuns na obscuridade de acordo com o estado da sociedade. A abertura
da China ao mundo e o crescimento explosivo em tecnologia da comunicação,
principalmente a internet, criou canais novos de informação,
os quais, apesar dos esforços de Peking, não podem
ser completamente controlados. Propaganda estatal bruta, encobertamentos
e intimidações não conseguem impedir efetivamente
a consciência que avança entre camadas de trabalhadores
e da juventude.
Oficiais chineses de propaganda teriam ordenado web sites a
editarem e cortarem comentários que fossem politcamente
hostis. Mas foi impossível censurar completamente o profundo
ódio e o desgosto gerados pela exploração
de trabalho escravo, assim como a hostilidade mais geral às
relações capitalistas e o enorme abismo social entre
os ricos e os pobres do país.
Em resposta ao site estatal Peoples Daily, alguém
simplesmente citou uma frase famosa de Marx: o capital,
ao surgir, escorrem-lhe sangue e sujeira por todos os poros, da
cabeça aos pés. Outro escreveu: Shanxi
é o microcosmo do país inteiro, uma vez que os ricos
vivem no paraíso enquanto os pobres estão no inferno.
E outro observou: O mal é a propriedade privada.
Alguns dos bloggers reivindicaram que os chefes corruptos do partido
fossem executados em vez de simplesmente demitidos.
Um artigo postado sobre o nome assinado de Yundan Shiunuan
denunciava raivosamente a nova elite social, explicando
que os donos de olarias rurais eram apenas a camada inferior de
uma classe capitalista emergente. A elite mais poderosa nas cidades
acumulou suas riquezas saqueando as empresas estatais ou especulando
na bolsa de valores, o que não foi tão diferente
dos operadores de olarias.
Comparados à elegância, cultura,
e até mesmo filantropia da camada superior,
os de baixo quiseram subir a escada radicalmente, mas são
bloqueados por seus recursos, localização geográfica
e energia limitada. Portanto, sua acumulação de
riquezas é mais bárbara e brutal, e, em contraste
com a hipocrisia no topo, é mais escancarada, declarou
Yundan Shiunuan.
Marx [na realidade foi Engels] disse certa vez: Para
a burguesia, nada mais existe neste mundo, a não ser que
pelo propósito do dinheiro, este mesmo não exluído.
Não conhece felicidade que não a do ganho rápido,
não conhece dor que não a de perder dinheiro. Na
presença dessa avareza e ganância por ganhos, não
é possível para sentimento humano algum se manter
incorrupto. Para obter lucros, toda a elite não conhece
nenhuma outra dor, ou mesmo que conhecesse, ela prossegue.
O artigo primeiro da constituição chinesa ainda
declara que o Estado é dirigido pela classe trabalhadora
e baseado na aliança entre operários e camponeses.
O sistema socialista é o sistema básico da República
Popular da China.
Tal afirmação sempre foi uma mentira. Mas a operação
desenfreada do mercado nos últimos 25 anos e a transformação
da china em uma grande maquiladora para as corporações
mundiais produziram todas as barbaridades do capitalismo, incluindo-se
as formas mais primitivas de acumulação. Chamar
a isso de socialismo e descrever a China como um Estado operário
é uma paródia política grotesca.