Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 30 de maio de 2007.
Após a venda da Chrysler Corporation à
empresa de investimentos privados Cerberus Capital Management,
o poder financeiro de Wall Street tem agido no sentido
de pressionar por uma reestruturação e uma retração
radical da indústria automobilística norte-americana.
A primeira compra de uma grande produtora de automóveis
por uma empresa de investimentos privados ameaça os empregos
e as condições de vida dos 80.000 trabalhadores
da Chrysler nos EUA e no Canadá e cria um precedente para
intensos ataques a todos os trabalhadores desse setor.
O controle assumido pela Cerberus marca uma nova fase na década
de assaltos aos empregos e condições de vida dos
trabalhadores da indústria e do setor automobilístico
como um todo. Ele representa não apenas o produto da mesquinhez
dos executivos e especuladores das empresas, mas da crise e da
falência do próprio sistema capitalista. As condições
de vida da classe trabalhadora em todo mundo vem sendo sacrificada
de maneira brutal, a fim de manter um sistema parasita e socialmente
destrutivo, que subordina todas as necessidades sociais ao enriquecimento
da elite financeira.
O caráter global do ataque aos trabalhadores do setor
automobilístico demonstra que é a expressão
de uma crise sistêmica na indústria automobilística
e no sistema de lucros como um todo. Fábricas de automóveis
estão sendo fechadas, empregos destruídos e salários
reduzidos na Alemanha, França, Espanha, Brasil e outros
países, enquanto se transfere a produção
para paraísos da mão de obra barata ao redor do
mundo.
Comumente chamada de fundo abutre, a Cerberus tem
um recorde em compras de companhias com problemas financeiros,
incluindo empresas de linhas aéreas, tecelagens, empresas
de telecomunicações, cadeias de supermercados e
fabricantes de auto-peças, cortando drasticamente os custos
trabalhistas e revendendo depois toda a empresa ou parte dela,
obtendo assim um enorme lucro. Empresas de investimento privado
já passam a observar a General Motors e a Ford, considerando
a Chrysler como um teste para uma nova onda de fechamentos de
fábricas combinada com cortes de salários sem precedentes
e com a restrição dos benefícios de assistência
médica e pensão para os trabalhadores aposentados
e suas famílias.
Apenas alguns dias depois da compra da Chrysler pela Cerberus
ter sido anunciada, o diretor executivo da Chrysler, Tom LaSorda,
afirmou que a nova Chrysler Holding Company iria cortar
US$ 300 milhões de benefícios médicos a aposentados,
impondo novos gastos aos aposentados e seus dependentes pela primeira
vez em quarenta anos.
O propósito desse corte de custos é o de impulsionar
a taxa de lucro dos grandes investidores que consideraram por
muito tempo a indústria automobilística como um
investimento pouco atrativo. Atualmente, a indústria automobilística
mundial oferece um lucro médio de 5% aos investidores,
sendo que muitas das companhias, especialmente as fabricantes
dos EUA, apresentam prejuízos. A Cerberus possui uma taxa
de lucro média de 22%. É impossível obter
tal lucro através de procedimentos normais de produção
e venda de carros. Isso só pode ser alcançado enxugando
a companhia e levando a taxa de exploração dos trabalhadores
a níveis nunca vistos desde 1920.
Um possível cenário foi exposto pela revista
Newsweek do dia 17 de maio, onde se afirmava: ao
invés de cada fabricante de Detroit fazer todo o tipo de
carro e caminhão e ter prejuízo com a maioria
deles eles poderiam passar a ser empresas de projeto e
representarem uma marca que atua somente naquilo que lhes dá
dinheiro... Por que não focar no projeto, na promoção
e na venda de um carro ao invés de produzi-lo? Isso seria
uma heresia na Cidade dos Motores, mas é um lugar comum
nas outras indústrias.
Tal plano exigiria o fechamento da maioria daquilo que ainda
resta da indústria automobilística dos EUA e a venda
da produção a companhias que pagam baixos salários
e companhias terceirizadas nos EUA e em todo o mundo.
O colapso eminente das companhias automobilísticas dos
EUA expressa de forma clara o caráter anárquico
e irracional do sistema capitalista. A crescente globalização
da produção, acompanhada de grandes avanços
na tecnologia e na ciência, aumentou ainda mais as contradições
fundamentais do sistema: entre a economia mundial e o sistema
de Estados Nacionais ao qual o capitalismo está preso e
entre a produção social e a propriedade privada
dos meios de produção.
Enquanto aumentou o nível tecnológico em diversos
novos países fabricantes de automóveis, tais como
China, Índia e Brasil, as fábricas tradicionais
da América do Norte, Europa Ocidental e Japão
onde são vendidos 70% de todos os veículos do mundo
já estão saturadas. A maioria dos habitantes
do resto do mundo onde residem seis de cada sete pessoas
é pobre demais para comprar um carro.
Analistas da indústria automobilística e investidores
de Wall Street estão exigindo uma drástica
redução da capacidade de produção
mundial de automóveis, na ordem de um terço da atual
produção anual de 66 milhões de veículos.
Mesmo que toda a indústria automobilística da América
do Norte deixasse de existir, a indústria mundial ainda
poderia, na opinião destes analistas, apresentar um excesso
de capacidade produtiva.
A traição dos sindicatos do setor
automobilístico
O apoio dado pelos sindicatos UAW e CAW à compra da
Chrysler é uma traição histórica à
classe trabalhadora. Logo depois que a DaimlerChrysler anunciou
oficialmente a venda da Chrysler numa entrevista coletiva concedida
à imprensa no dia 14 de maio, o UAW endossou o acordo,
dizendo que ele atendia aos melhores interesses dos associados
do UAW, do grupo Chrysler e da Daimler.
Tudo indica que os novos proprietários tenham assegurado
aos dirigentes do UAW que seus bônus e privilégios
seriam protegidos e mesmo aumentados. O Wall Street Journal
divulgou no dia 15 de maio que a Chrysler e as outras três
grandes fabricantes estão planejando dar o controle dos
multibilionários fundos de assistência médica
dos aposentados aos sindicatos, tornando assim o UAW uma
das maiores empresas privadas de assistência médica
nos EUA. Tal acordo poderia transferir enormes lucros aos
burocratas do sindicato, enquanto dá às companhias
uma chance de se livrar das suas responsabilidades, deixando que
o sindicato corte a cobertura médica de 1 milhão
de aposentados e seus dependentes.
Para se opor a esses ataques, os trabalhadores norte-americanos
devem levar em consideração o fundamento tanto dos
ataques das companhias quanto das traições do sindicato.
É necessário organizar ações
de maneira independente do UAW e do CAW como greves, manifestações
de massa e outras formas de solidariedade de todos os setores
da classe trabalhadora, tanto nos EUA como em todo o mundo. Mas
tal ação não pode ter sucesso se não
estiver ligada a uma nova estratégia política
baseada na falência do sistema de lucros e na necessidade
de se construir um movimento de massas da classe trabalhadora
com conteúdo socialista, em oposição a todos
os partidos do grande capital. Nos EUA, isso significa um claro
e irrevogável rompimento com o Partido Democrata.
Lições de uma história
de luta
A transformação do UAW num braço da administração
da companhia, com ambições de se tornar uma empresa
abertamente capitalista, é a prova histórica de
que os trabalhadores não podem defender seus interesses
por meio de organizações que aceitam o sistema de
lucros.
Embora os trabalhadores socialistas e de esquerda tenham, na
década de 1930, desempenhado um papel fundamental no movimento
de massas que criou os sindicatos industriais, incluindo o UAW,
já naquela época, os líderes do Congresso
das Organizações Industriais (CIO) defenderam explicitamente
o sistema capitalista e excluíram qualquer exigência
de longo alcance que colocasse em xeque os direitos de propriedade
e o monopólio dos proprietários capitalistas. A
defesa política do sistema de lucros foi posta em prática
por meio da oposição da burocracia sindical à
criação de um partido independente de trabalhadores
e seu apoio à aliança com o Partido Democrata.
Depois da II Guerra Mundial, o presidente, Walter Reuther,
dirigiu o movimento anti-comunista de caça às bruxas
para acabar com a influência socialista dos sindicatos.
A marginalização dos socialistas minou fatalmente
os sindicatos, ainda que suas completas implicações
tenham sido mascaradas, durante certo tempo, pelas condições
temporárias e extraordinárias do boom econômico
do pós-guerra.
A subordinação ao Partido Democrata foi defendida
por meio da ficção de que seria possível
conciliar os interesses da classe trabalhadora com os da elite
capitalista. O UAW estabeleceu um acordo traidor com os monopólios
dos automóveis: em troca da garantia de disciplina dos
trabalhadores pelo sindicato e da exclusão de qualquer
oposição às prerrogativas básicas
da administração da companhia, seria oferecido aos
trabalhadores salários crescentes, garantia de emprego
por longo período, além de outros benefícios.
Em essência, Reuther amarrou o futuro da classe trabalhadora
à esperança de que o capitalismo norte-americano
e as companhias automobilísticas instaladas nos EUA poderiam
manter uma posição hegemônica nos mercados
mundiais para sempre.
Em meados da década de 1970 o boom do pós-guerra
estava chegando ao fim e crescia uma nova crise mundial, centrada
no declínio da posição econômica mundial
dos EUA. A resposta da elite política e empresarial dos
EUA à crescente concorrência japonesa e européia
foi a de realizar uma ofensiva contra a classe trabalhadora.
O salvamento da Chrysler
O salvamento da Chrysler em 1979-1980 foi um dos momentos críticos.
Os patrões e o governo democrata de Jimmy Carter utilizaram
a ameaça do fechamento da companhia para arrancar enormes
concessões dos trabalhadores. O UAW colaborou com o governo
e com a Chrysler na imposição de massivos cortes
salariais contra a dura resistência dos operários.
Como recompensa, o presidente do UAW, Douglas Fraser, recebeu
um assento no quadro de diretores da Chrysler.
O salvamento da Chrysler criou as condições para
um violento controle dos sindicatos e cortes de salários
nas décadas de 1980 e 1990, iniciando com a repressão
de Reagan à greve dos controladores de vôo da PATCO
em 1981. Ao invés de defender os direitos conquistados
por meio de décadas de luta da classe trabalhadora, o UAW
e o AFL-CIO serviram para acabar com a resistência dos operários
e impor as exigências dos patrões. A burocracia sindical
afirmou que a luta de classes havia sido transformada numa nova
luta em defesa das empresas norte-americanas contra os seus concorrentes
internacionais. O UAW afirmava que era necessário estabelecer
uma nova parceria entre os trabalhadores e a administração
a fim de salvar os empregos norte-americanos. Os chefes
das empresas, como o presidente da Chrysler, Lee Iacocca, foram
apresentados pelo sindicato como salvadores dos trabalhadores.
Além disso, o UAW organizou uma campanha chauvinista contra
as importações japonesas.
O chefe de negociações do UAW com a Chrysler,
Marc Stepp, resumiu toda a posição dos burocratas
do sindicato da seguinte maneira: nós temos empresas
livres nesse país. Elas têm o direito de obter lucros.
Baseado nisso o UAW apoiou o fechamento de dezenas de fábricas
e a eliminação de 50.000 empregos, além do
corte de U$ 500 milhões em salários e outras concessões.
A traição do UAW se fundamentou na perspectiva
de orientação nacionalista em defesa o capitalismo
norte-americano. A globalização da indústria
minou a capacidade dos sindicatos nacionais de conquistar concessões
da administração por meio da paralisação
ou da ameaça de paralisação dos trabalhadores.
Quando os veículos passaram a ser produzidos de maneira
crescente em escala mundial, as companhias automobilísticas
puderam transferir as fábricas de um país ou de
uma região para outra. O papel dos sindicatos foi invertido:
ao invés de exigir concessões dos patrões,
passaram a exigir concessões de seus próprios associados,
na tentativa de convencer os fabricantes norte-americanos a manter
a produção em território nacional, fortalecendo
assim o papel das direções sindicais.
As políticas nacionalistas e pró-capitalistas
do UAW representaram um desastre absoluto para os trabalhadores.
No final deste ano, o número de associados do UAW na Chrysler,
que era de 110.000 em 1979, será de 46.000. No total, o
número de associados do UAW nas Três Grades nos EUA
cairá 76% em relação a 1979 de 750.000
para 177.000.
Cidades inteiras como Detroit e Flint, em Michigan,
Estado que já teve a maior renda per capita dos EUA
foram reduzidas a cidades industriais devastadas pelo desemprego
crônico, cujas escolas não têm recursos e o
número de despejo de casas é recorde.
O salvamento da Chrysler fortaleceu os diretores executivos,
que, juntamente com os predadores das companhias e especuladores
de Wall Street, começaram a reorganizar a indústria
de modo a produzir enormes lucros para si próprios. Nos
25 anos seguintes, ocorreu uma enorme transferência de riqueza
dos trabalhadores à camada mais rica, que representa apenas
1 a 2% da população. Na década de 1960, a
renda dos executivos das indústrias era equivalente a 25
a 30 vezes o salário médio dos trabalhadores da
produção. Em 2006, os diretores executivos estão
recebendo 400 vezes o que se paga aos operários. A parcela
de 1% das pessoas mais ricas da população
300.000 pessoas, cuja renda média é de US$ 1 milhão
por ano tem se apropriado, desde 1928, da maior parte da
renda nacional, equivalente à parte destinada a 150 milhões
das pessoas mais pobres dos EUA.
Assim como o caso dos 19 barões ladrões, estas
impressionantes fortunas não estão relacionadas
à expansão da indústria. Pelo contrário,
especuladores financeiros e altos executivos das corporações
conseguiram enormes somas de dinheiro com a destruição
das forças produtivas. Resumindo o desprezo da elite pela
produção e pela classe trabalhadora, Ray Diallo,
o fundador do fundo de investimentos Bridgewater Associates,
cuja renda no ano passado foi de US$ 350 milhões, disse:
o dinheiro obtido por meio das coisas fabricadas é
ínfimo perto da soma do dinheiro obtido com a especulação.
Transformar a indústria automobilística
numa empresa pública
As indústrias de massa não podem continuar sendo
bens pessoais da elite rica dos EUA, que se livra delas quando
quiser. O primeiro passo para defender os interesses dos trabalhadores
é estabelecer o controle democrático sobre todas
as decisões que os afetam: questões como a segurança,
os salários, a contratação e as horas de
trabalho. Essas decisões não devem ser tomadas por
uma minoria rica, mas por comitês de trabalhadores baseados
no chão de fábrica, por técnicos e especialistas
comprometidos com os interesses dos trabalhadores. Para estabelecer
uma democracia operária é preciso abrir os livros
de todas as empresas para que suas contas sejam inspecionadas
pelos trabalhadores. Além disso, os trabalhadores devem
eleger seus representantes entre seus próprios membros
por meio de uma votação democrática.
Se a indústria deve funcionar para o bem da sociedade,
ela deve ser transformada numa empresa pública e integrada
a uma economia planejada socialista. A indústria automobilística
mundial envolve a atividade de milhões de trabalhadores
de fábricas, engenheiros, projetistas, cientistas, contadores
e outros trabalhadores, consumindo grandes quantidades do aço,
da borracha, vidro e óleo do planeta. Tais recursos humanos
e naturais podem ser organizados de forma racional e ambientalmente
sustentável somente se os produtores mundiais cooperarem
com base num plano científico para produzir de forma segura
e com alta qualidade, utilizando os meios de transporte já
disponíveis.
As enormes somas de capital que se deslocam pelo mercado financeiro
mundial todos os dias são produtos de trabalho humano.
A decisão vital de onde investir os recursos financeiros
da sociedade deve ser feita democraticamente pelo povo, não
por especuladores e outros parasitas financeiros em salas fechadas.
Os grandes bancos e casas de investimento devem ser transformados
em propriedade pública. Ao mesmo tempo, as isenções
fiscais para os ricos implementadas pela administração
de Bush devem ser rejeitadas; os impostos àqueles que recebem
mais de US$ 300.000 devem ser drasticamente aumentados e seus
recursos transferidos para fundos de programas sociais; os impostos
aos trabalhadores devem ser reduzidos.
Os trabalhadores devem rejeitar o chauvinismo americano da
burocracia sindical e do Partido Democrata e se unir aos seus
irmãos e irmãs de classe em todo o mundo contra
as gigantes mundiais dos automóveis. Devem ser criados
comitês operários independentes do UAW e do CAW para
unir trabalhadores da produção e da administração
nos EUA e no Canadá, a fim de lutar contra o desmantelamento
da Chrysler e de organizar os trabalhadores da indústria
para defender os empregos e as condições de vida.
Os trabalhadores da Chrysler devem organizar greves, ocupações
de fábrica e manifestações de massa para
ligar a sua luta a todos os setores da classe trabalhadora.
As políticas esboçadas aqui significam a condenação
do Partido Democrata, que, assim como o Partido Republicano, é
financiado e controlado pela aristocracia financeira. Não
há conciliação possível entre a classe
trabalhadora e o sistema de lucros. Por isso, é necessário
que os trabalhadores rompam com os partidos do grande capital
e construam um partido socialista de massas. Somente dessa forma
será possível que toda a luta contra os cortes
de emprego, o militarismo, a guerra e os ataques aos direitos
democráticos se transforme numa única luta
política que busque estabelecer um governo dos trabalhadores
e criar uma legítima democracia baseada na igualdade social.
Nós conclamamos os trabalhadores da Chrysler e seus
apoiadores que estão buscando um caminho para lutar contra
os ataques aos empregos, salários e benefícios de
pensão e assistência médica, a entrarem em
contato com o World Socialist Web Site e o Socialist
Equality Party a fim de discutir esta perspectiva.