Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 4 de junho de 2007.
Na semana passada, representantes do governo nigeriano acusaram
criminalmente a companhia farmacêutica Pfizer pela responsabilidade
na morte de crianças que foram medicadas com drogas não
aprovadas durante uma epidemia de meningite.
Esta é a primeira vez que o governo nigeriano toma uma
atitude diante dessa tragédia. Numerosas tentativas dos
pais das vítimas foram derrotadas nas cortes norte-americanas.
No entanto, mais de uma década depois desse trágico
incidente, ocorre agora crescente divulgação e repúdio
da conduta mesquinha, anti-ética e mesmo criminosa da companhia
multinacional de medicamentos.
De acordo com um recente artigo do Washington Post,
autoridades de Kano, o maior estado do país, registraram
oito acusações relacionadas ao tratamento médico
de 1996, incluindo alegações de conspiração
criminosa e de causar voluntariamente danos mortais. Eles ainda
registraram uma ação civil exigindo da Pfizer, que
é a maior companhia de medicamentos do mundo, mais de US$
2 bilhões como restituição de danos.
Além da própria multinacional de medicamentos,
os processos criminais acusam a terceirizada da Pfizer na Nigéria
e oito executivos e pesquisadores, incluindo, entre eles, alguns
que já não trabalham mais na empresa. Caso sejam
condenados, ele podem ter que cumprir mais de sete anos de prisão.
Aliyu Umar, o procurador geral de Kano que registrou as acusações,
disse que o processo tinha o apoio do governo nigeriano, que lhe
deu um relatório com dados de seis anos, concluindo que
a conduta da Pfizer violava tanto a legislação nigeriana
quanto a internacional. O governo da Nigéria disse que
nunca permitiu que a corporação distribuísse
drogas não testadas.
Nós percebemos que somos o Terceiro Mundo e que
precisamos de ajuda, disse Umar ao jornal Post. Mas
nós repudiamos aqueles que pensam que podem tirar vantagem
de nós, sobretudo em operações que visem
lucro. Esse é o motivo pelo qual nós precisávamos
tomar uma atitude contra a Pfizer. Essas pessoas responsáveis
devem ser punidas, seja na Nigéria ou nos Estados Unidos,
pelo que eles fizeram a nossa população.
Uma descrição do que ocorreu na Nigéria
em 1996 do ponto de vista das vítimas, que por diversas
vezes nos últimos anos tentaram, sem sucesso, processar
a Pfizer, expõe detalhes angustiantes.
Logo depois que as epidemias de meningite, sarampo e cólera
explodiram em Kano, a Pfizer criou um centro de tratamento no
Hospital de Doenças Infecciosas do estado para tratar as
vítimas da meningite. De acordo com a acusação,
ao invés de usar tratamentos seguros e efetivos contra
a doença, ela se utilizou da epidemia de forma oportunista
para realizar pesquisas e experimentos biomédicos com as
crianças nigerianas com novo antibiótico não
testado e não aprovado, chamado Trovan.
A Pfizer é acusada de não explicar aos pais das
vítimas que o tratamento proposto era experimental, que
eles poderiam recusá-lo ou que outras organizações
ofereciam gratuitamente tratamentos mais convencionais no mesmo
local. Além disso, segundo as acusações,
metade das crianças que participaram do programa de tratamento
da Pfizer recebeu deliberadamente doses inadequadas de ceftriaxone
uma droga aprovada pela Administração de
Drogas e Alimentos (FDA órgão que fiscaliza
a administração dos alimentos e das drogas nos Estados
Unidos) que se mostrou eficiente no tratamento da meningite
para que o Trovan parecesse mais eficiente na pesquisa. Cinco
das crianças que receberam o Trovan e seis das que receberam
baixas doses de ceftriaxone morreram. Além disso, várias
pessoas tratadas pela Pfizer apresentaram graves problemas de
saúde, como paralisia, perda da visão e perda da
audição.
Um dos pesquisadores da própria Pfizer, o especialista
em doenças infantis Dr. Juan Walterspiel, protestou numa
carta enviada à companhia advertindo que era não
era apropriado realizar o teste de uma droga que não
teve sua sensibilidade testada antes de expor as crianças
a um experimento de vida ou morte. Ele foi demitido pela
companhia por ter feito declarações públicas,
ganhando posteriormente um processo por demissão injusta.
Depois do teste da Pfizer, aumentaram as suspeitas de que as
experiências das grandes companhias de medicamentos pudessem
levar à morte, fazendo com que os pais se recusassem, no
ano passado, a fazer a imunização de seus filhos
contra a pólio, temendo o que pudesse vir a acontecer.
O programa deveria erradicar a doença na Nigéria,
um dos últimos lugares em que ela ainda existe.
A resposta da Pfizer ao caso era previsível. A companhia
continua a enfatizar nos mais fortes aspectos
que o estudo clínico do Trovan em 1996 foi conduzido com
o total conhecimento do governo nigeriano e de forma ética
e responsável, com o permanente comprometimento da companhia
em relação à segurança de seus pacientes.
Todas as alegações em contrário nesses processos
são simplesmente mentirosas elas não foram
válidas quando foram levantados pela primeira vez há
alguns anos e continuam sem validade hoje.
Mas é indiscutível que a Pfizer estava na Nigéria
para testar drogas. O foco de suas atividades era a busca do lucro.
Se eles salvaram vidas, foi um resultado secundário. Isso
lhes proporcionaria uma história humanitária para
contar na próxima conferência de líderes,
possibilitando que seus administradores continuassem se iludindo
de que, afinal, sua missão era ajudar a cuidar da saúde
do mundo e obter lucro! Os Médicos sem Fronteiras,
por outro lado, estavam instalados numa patética e empobrecida
clínica. Não tratavam os pacientes com drogas novas
e não testadas e ainda distribuíam medicamentos
de uma concorrente (em doses menores que as adequadas) para realizar
comparações. Eles estavam ali somente para tentar
salvar vidas.
Uma profunda investigação do Washington Post
feita em dezembro de 2000, estimulada pela tragédia nigeriana,
revelou o amplo uso de experimentos irregulares de companhias
de medicamentos em países pobres da África e da
América Latina, assim como da Europa Oriental. Ela revelou
um sistema de testes mal regulamentado, dominado por interesses
privados e que frequentemente descumpre os compromissos com pacientes
e consumidores.
Experimentos envolvendo drogas que contém riscos
devem ser conduzidos mediante a supervisão de técnicos
independentes. Pacientes pobres, de baixo nível de escolaridade
são algumas vezes utilizados em testes sem perceber que
estão servindo de cobaias. Promessas de serviço
médico de qualidade algumas vezes se mostram fatalmente
vazias, concluiu o Post.
A inspeção feita pelos governos às
fabricantes de medicamentos é precária. Sem qualquer
inspeção pela FDA, que possui uma limitada autoridade
e poucos recursos para supervisionar experimentos em outros países
as companhias de medicamentos norte-americanas estão
pagando médicos para realizar testes em milhares de pessoas
no Terceiro Mundo e na Europa Oriental.
O artigo do Post de 2000 que criticava atitude avarenta
das companhias ao testar drogas com grande potencial futuro de
vendas, levou Aliyu Umar a abrir um processo legal na Nigéria.
Mas a corrupção das cortes nigerianas levou os pais
das crianças a recorrer nos EUA em 1997. No entanto, tudo
indica que nos EUA também não se fará justiça.
O poder político das grandes empresas farmacêuticas
nos EUA garante a proteção de suas atividades. O
representante democrata da Califórnia, Tom Lantos, buscando
dar uma resposta, mesmo que paliativa, ao caso nigeriano, apresentou
um projeto de lei intitulado Ato de Testes Seguros em Seres
Humanos em Países Estrangeiros, que propunha que
as companhias passassem a dar detalhes dos testes programados
no estrangeiro às autoridades norte-americanas e se submetessem
à aprovação de um comitê de ética.
Somente um parlamentar apoiou o projeto, sendo engavetado no comitê
no final do período congressual de 2006.
As advertências e a indignação
públicas às práticas das grandes corporações
farmacêuticas nos países oprimidos cresceram, em
parte, como conseqüência do sucesso do filme O Jardineiro
Fiel lançado em 2006, baseado no romance de John le
Carré. O filme, baseado na tragédia nigeriana, conta
a história de uma mulher que é assassinada quando
revela crimes cometidos por uma companhia de produtora de medicamentos
que realizava testes de uma nova vacina contra a tuberculose no
Quênia. Num artigo intitulado Criminosos do Capitalismo,
publicado por le Carré pouco depois do lançamento
de seu filme, ele condena a idéia de que a influência
das corporações movidas pelo lucro seria benéfica
em todo o mundo, e que, independente de quais fossem as suas ações,
elas estariam, em última instância, motivadas por
preocupações éticas.
Enquanto isso, a Pfizer declarou no ano passado que seus lucros
mais que duplicaram em relação ao ano anterior.
O ex-diretor executivo da gigante dos medicamentos, Henry McKinnell,
aposentou-se no ano passado recebendo o equivalente a US$ 200
milhões. Ele era o vice-presidente executivo da companhia
e chefe financeiro na época em que onze crianças
morreram quando participavam, sem saber, dos testes do Trovan
na Nigéria.