Publicamos abaixo a primeira parte de um relato feito em
28 de setembro por Nick Beams a um encontro realizado em Sydney
sobre o 70o aniversário da Quarta Internacional. Beams
é membro do comitê editorial internacional do WSWS
e secretário nacional do Partido da Igualdade Socialista
da Austrália. Publicaremos este relato em 4 partes.
A significância histórica da fundação
da Quarta Internacional em 1938 e a luta de 70 anos em defesa
do programa do trotskismo, liderada desde 1953 pelo Comitê
Internacional da Quarta Internacional (CIQI), é agora ressaltada
pelos eventos tumultuosos que se desenrolam na arena da economia
mundial.
Cada dia que passa traz uma nova notícia de desastre
e crise no sistema financeiro. Torna-se praticamente impossível
acompanhar as centenas de bilhões de dólares, que
agora já chegam aos trilhões, injetados de diferentes
formas por bancos centrais e autoridades financeiras para tentarem
manter o sistema financeiro mundial em operação.
Nas últimas duas semanas assistimos à falência
do Lehman Brothers, instituição financeira de 158
anos, a aquisição do banco de investimentos e corretora
Merrill Lynch e a mudança do status da Goldman Sachs e
do Morgan Stanley para "bancos de investimentos", para
que assim possam receber proteção contra falência.
Durante o mesmo período, os quatro bancos de investimento
restantes de Wall Street, após a transferência do
Bear Sterns em março, desabaram inevitavelmente. Além
do mais, a gigante de seguros AIG teve que ser resgatada com US$
85 bilhões. Na última quinta, com US$ 307 bilhões
em ativos, US$ 188 em depósitos e mais de 220 filiais,
o Washington Mutual quebrou esta a maior quebra bancária
da história.
O governo Bush, com apoio estratégico dos Democratas,
está colocando em prática uma operação
de resgate a Wall Street de US$ 700 bilhões, comprando
os ativos desvalorizados que esta possui em seus livros.
Já se tornou lugar-comum os comentadores e especialistas
em economia dizer que o sistema capitalista mundial entrou na
maior crise financeira desde os acontecimentos de 1929 que levaram
à Grande Depressão.
Pessoas no mundo todo começam a recordar o que se seguiu
à crise: a chegada ao poder dos nazistas na Alemanha em
1933, desemprego em massa, a divisão do mundo em dois blocos
e impérios rivais, e, uma década após a quebra
de Wall Street, o irrompimento da Segunda Guerra Mundial.
Especialistas e jornalistas, assim como politicos, reasseguram-nos
de que o mundo não acabou e que a crise de 1930 não
se repetirrá porque os governos e autoridades financeiras
estão conscientes dos problemas e possuem os meios de detê-los.
Tais afirmações poderiam até ter relevância,
caso não fossem pronunciadas pelas mesmas pessoas que,
ontem mesmo, enalteciam as virtudes do novo sistema financeiro.
Para o movimento marxista, esta crise não surgiu do
nada. Ela é decorrente das profundas contradições
que, como explicou nosso movimento, levam invariavelmente à
crise do sistema capitalista.
Quando falamos de uma "crise", não estamos
apenas nos referindo a um único acontecimento, um ponto
no qual o capitalismo congela-se de repente e pára de funcionar,
mas a um processo histórico. As amplas mudanças
nas estruturas do capitalismo mundial a implosão
do sistema financeiro, o colapso dos créditos e mercados
financeiros e a falência dos grandes bancos e dos bancos
de investimento são o resultado das mudanças
que vêm ocorrendo por baixo da superfície econômica
por anos e até mesmo décadas.
Um colapso não significa que o capitalismo chega a parar.
Significa a abertura de um novo período histórico,
no qual velhas estruturas, tanto econômicas como políticas,
assim como ideologias e formas de pensamento, cedem lugar ao desenvolvimento
de novas formas de luta política, em nome das quais o próprio
destino da sociedade é posto em questão.
Marx referiu-se à luta de classes "ora aberta,
ora encoberta". Neste último período ela esteve
um tanto encoberta, no sentido de que a classe trabalhadora têm
sido incapaz de desenvolver uma resposta aos intermináveis
ataques a seu nível de vida e às condições
sociais. Mas agora, nos Estados Unidos, ela emerge à superfície
através de uma grande explosão de raiva contra o
plano de resgate de Wall Street. Essa raiva significa o início
de uma nova era política.
A desintegração do mundo capitalista em desvelamento
significa que a classe trabalhadora será confrontada com
a necessidade da tomada do poder político e a necessidade
de reorganizar a sociedade sobre novas bases sociais, econômicas,
políticas e também morais. Como demonstra a história
sangrenta do século XX, o que depende dessa tarefa não
é nada mais do que o futuro da própria humanidade.
O resgate de Wall Street
A necessidade de uma reorganização fundamental
da sociedade emerge da crise atual de forma bem independente das
reivindicações ou agitações dos socialistas.
Ela é colocada bem objetivamente.
A oligarquia financeira americana e seus representantes políticos
de ambos partidos do grande negócio possuem um plano econômico
que trabalham para impor: os recursos sociais, advindos do trabalho
de milhões de trabalhadores, devem ser mobilizados para
manter a riqueza dos ricos e milionários. Essa camada vem
lucrando com as operações financeiras especulativas
e altamente duvidosas que, sob a bandeira do "livre mercado",
provocaram uma enorme redistribuição de riquezas
que fez aumentar a escala de renda dos últimos 25 anos.
Não bastando a confusão política persistente
criada por todos os ramos da mídia de massas, este plano
está sendo reconhecido pelo que ele realmente é:
o resgate de Wall Street, da mínuscula camada mais rica
da sociedade a custo da maioria avassaladora.
As eleições presidenciais de 2008 já perderam
seu sentido antes mesmo de acontecerem, uma vez que qualquer esperança
de algum programa social foi agora engavetada. Pelo contrário,
um total equivalente a US$ 2.300 de cada homem, mulher e criança
dos EUA será transferido aos mais ricos. Uma das primeiras
perguntas feitas pelo mediador do debate presidencial foi: qual
programa de governo você advoga que seja cortado em vista
do plano de resgate? Todos concordaram que deveria haver cortes,
isto foi tomado como dado.
A classe dominante americana não tem como cumprir seu
programa democraticamente e vemos, por isso, nas medidas propostas
pelo secretário do tesouro Henry Paulson, potenciais de
uma ditadura.
O primeiro texto enviado ao congresso, supostamente o órgão
legislativo que teria controle sobre os gastos, mal possuía
três páginas menos papelada, como disse um
comentador do New York Times, do que o requerido em uma hipoteca
subprime!
De acordo com o texto inicial, dentre os poderes dispostos
ao secretário do tesouro, "sem limitações",
será o de "apontar as instituições financeiras
e agentes financeiros do governo" capazes de cumprir com
"todas as responsabilidades razoáveis relacionadas
a esta lei". Isso significa que as mesmas instituições
que estiveram envolvidas com as atividades especulativas e, em
alguns casos, abertamente criminais, que levaram à crise,
serão convocadas a ajudar o tesouro a organizar o resgate.
Como dizia um artigo recente do WSWS, o termo "conflito de
interesses" nem sequer começa a cobrir o que está
acontecendo.
Além disso, o plano garante imunidade legal ao tesouro.
"Decisões do secretário em conformidade com
a autoridade não podem ser examinadas... nenhum tribunal
ou agência governamental poderá examinar as decisões
do secretário".
Como apontou com as seguintes palavras um artigo do New York
Times de 23 de setembro: "O secretário do tesouro
quem quer que o seja nos próximos meses seria
investido dos poderes mais inacreditáveis já antes
concedidos a uma pessoa em relação à vida
econômica e financeira dos Estados Unidos. É o equivalente
financeiro do Patriot Act (Lei Patriota'), depois do 11
de setembro". O Times descreveu a legislação
proposta por Paulson como "o mais incrível rapto de
poder da história da economia americana".
Um velho axioma de economia e política diz que, em uma
crise, as verdadeiras relações são colocadas
a nu, enquanto despe-se o acidental e supérfluo. Este é
o caso nesta crise. Não um governo do povo, pelo povo e
para o povo; não o "livre mercado" no qual as
decisões de milhões de pessoas determinam os resultados
econômicos; mas um governo dos, pelos e para os ricos. Não
uma democracia e uma terra de leis, mas uma ditadura do capital
financeiro.
As guerras de pilhagem lançadas pelo imperialismo americano
no Afeganistão e Iraque, cujo objetivo é controlar
o petróleo e outros recursos do interesse do capital financeiro
americano, estão sendo agora abertamente travadas no front
natal. Elas serão acompanhadas de um aprofundamento no
ataque aos direitos democráticos, iniciados com a assim
chamada "guerra ao terror".