Publicado originalmente em inglês no WSWS em 8 de
setembro de 2008
Em sua maior intervenção na economia americana
desde a Grande Depressão dos anos 30, o Departamento do
Tesouro do governo dos EUA anunciou, no domingo [07.09], que as
duas gigantes do mercado hipotecário, Fannie Mae e Freddie
Mac, seriam efetivamente nacionalizadas.
Marcado para anteceder a abertura das bolsas do mercado asiático,
o anúncio de que as duas firmas serão colocadas
sob proteção do governo não deixou dúvidas
sobre a profundidade da crise econômica que confronta o
capitalismo americano e mundial.
"Fannie Mae e Freddie Mac são tão grandes
e tão intimamente ligadas ao nosso sistema financeiro,
que a falência de uma das duas causaria um notável
tumulto nos mercados financeiros, aqui e em todo planeta",
disse o Secretário do Tesouro do EUA, Henry Paulson Jr.,
numa conferência de imprensa em Washington. "Uma falência
seria prejudicial para o crescimento econômico e para geração
de empregos. É por isso que tomamos essas ações
hoje."
De fato, a falência dessas duas empresas evidencia a
falência do capitalismo americano. São responsáveis,
conjuntamente, por mais de dois terços de todas as hipotecas
de imóveis nos EUA.
Apesar dos políticos de ambos os partidos [Democrata
e Republicano] e a maioria das reportagens da mídia tentarem
apresentar o plano como assistência para os proprietários
de casas com problemas, é claro que a intervenção
não fará nada para superar a crise pela qual passam
milhões de trabalhadores.
Como reconheceu o New York Times no domingo: "O plano
para financiar as empresas provavelmente fará pouco para
que os preços dos imóveis parem de cair ainda mais.
E as execuções de hipotecas irão, quase que
certamente, aumentar."
"A injeção de dinheiro dará à
indústria hipotecária uma estabilidade que não
tivemos em alguns anos", disse Rich Cosner, presidente da
Prudential Califórnia Realty, à Associated Press.
"Mas, honestamente, não ajudará o refinanciamento
(dos empréstimos com dificuldades)".
Seu verdadeiro objetivo é ajudar os bancos que investiram
em títulos de dívidas da Fannie e Freddie. Estes
bancos investiram conscientes de que o Tesouro dos EUA, em última
instância, estaria por trás das assim chamadas "empresas
asseguras pelo governo".
O custo imediato do financiamento será pago pelos contribuintes,
assim como pelos acionistas, que verão seus investimentos
partirem ao vento. Parte do plano anunciado no domingo autoriza
o governo a comprar os ativos existentes a um preço simbólico
de menos de um dólar por ação. Uma parte
significativa desses investimentos é retida dos fundos
mútuos tratados pelo "plano 401(K)", que constitui
a única poupança de largos setores da força
de trabalho americana.
Além disso, espera-se que os termos da aquisição
resultem, ao menos, na falência de outros novos bancos.
O FDIC (Corporação de Seguro do Depósito
Federal, na sigla em inglês) emitiu um relato no domingo,
afirmando que "apesar de muitas instituições
terem ações ordinárias ou preferenciais dessas
duas empresas patrocinadas pelo governo, um número limitado
de instituições menores tem ações
significativas, comparadas ao seu capital". A agência
não disse quão "limitado" era esse número.
O plano anunciado por Paulson pede o investimento de mais de
$200 bilhões de dólares em fundos governamentais
para apoiar as duas gigantes do financiamento hipotecário.
O custo real, entretanto, se mostraria ainda maior. William
Poole, o antigo presidente do Federal Reserve Bank de St. Louis,
disse domingo que o governo poderia ser levado a gastar cerca
de $300 bilhões de dólares para resgatar as duas
companhias.
Com a ação, é a terceira vez desde o começo
do ano que o governo norte-americano financia uma grande instituição
financeira para afastar o perigo de um colapso eminente no sistema
bancário americano e mundial.
No último mês de março, a injeção
de $29 bilhões de dólares da Reserva Federal dos
EUA foi realizada para subsidiar a compra do Bear Stearns pelo
JPMorgan Chase. Em julho, o governo autorizou a injeção
de fundos na Fannie Mae e Freddie Mac, ao mesmo tempo em que essas
duas empresas privadas tinham permissão para fazer empréstimos
diretamente do Fed.
Juntas, as duas empresas registraram $14.9 bilhões de
dólares em perdas líquidas durante os últimos
quatro trimestres, como resultado do aumento das execuções
de hipotecas e da queda vertiginosa dos preços imobiliários.
Para vender o plano ao Comitê Bancário do Senado,
em julho, Paulson argumentou que, "se você tem uma
bazuca no seu bolso e as pessoas sabem disso, você provavelmente
não terá de usá-la." A idéia
era que, através da criação dessa rede de
segurança, investidores privados se tranqüilizassem
e emprestassem dinheiro para as duas empresas, que detêm
ou garantem mais de $5 trilhões em dívidas hipotecárias.
Assim que foi anunciada, a "bazuca" teve o efeito
contrário, convencendo investidores de que a Fannie e Freddie
estavam caminhando à falência e à estatização.
Como resultado, os preços de suas ações continuaram
a desmoronar, tendo uma perda de 80% no seu valor somente neste
ano.
Depois de horas de negociação na sexta-feira,
depois de rumores de uma iminente aquisição que
circulava em Wall Street, as ações da Fannie Mae
caíram 21.9% e as da Freddie Mac 20.9%.
Um dos fatores para a intervenção do governo
foi, aparentemente, a queda das ações da Fannie-Freddie
para investidores asiáticos e outros estrangeiros. O Banco
da China, o terceiro maior banco do país, anunciou, ao
final de agosto, ter perdido cerca de $3.14 bilhões de
dólares em dívidas de ações das duas
empresas nos últimos dois meses. Outras bancos centrais
estavam, aparentemente, seguindo esse padrão.
O banco central da Rússia, até agora, noticiou
ter retirado aproximadamente $40 bilhões de dólares
em seguros da Fannie Mae, do Freddie Mac e do Federal Home Loan
Bank durante todo o ano, e espera fazer mais cortes.
A fuga de investimento nessas companhias asseguradas pelo governo
aumenta, claramente, a possibilidade de um processo similar arrastar-se
para os títulos do governo americano. Atualmente, a economia
dos EUA depende dos investidores estrangeiros, principalmente
dos asiáticos, que compram mais de $20 bilhões de
dólares da dívida da agência americana mensalmente.
Ameaçando, implicitamente, tamanha retirada de dinheiro,
o principal economista da China, Yu Yonding, ex-conselheiro sênior
do banco central, comentou no mês passado: "Se o governo
dos EUA permitir a falência da Fannie e da Freddie e investidores
internacionais não forem compensados adequadamente, as
conseqüências serão catastróficas. Se
não é o fim do mundo, é o fim do atual sistema
financeiro internacional".
Significativamente, a Standard & Poors, agência financeira
de avaliação, sentiu-se obrigada a fazer uma declaração
afirmando que a aquisição que acrescenta
uma dívida de $5 trilhões de dólares nas
folhas de balanço de Washington não resultaria
na diminuição do rating de crédito dos EUA.
A profundidade da crise e o alcance da intervenção
do governo são evidenciados pelo fato de Paulson ter informado,
antes de anunciar o plano, não apenas o presidente Bush,
mas também os candidatos democratas e republicanos, Barack
Obama e John McCain, assim como outros líderes do Congresso.
Ambos os candidatos divulgaram seu apoio à intervenção,
ao mesmo tempo criticando as últimas medidas do governo
em relação às duas empresas de financiamento
hipotecário.
"Essas entidades são tão grandes e estão
tão ligadas ao mercado imobiliário que, provavelmente,
é verdade que teremos de dar passos para termos certeza
que não quebrarão", disse Obama numa audiência
em Terre Haute, Indiana.
"Eu acho que temos de manter as pessoas em suas casas",
declarou McCain numa entrevista realizada no domingo a um programa
jornalístico da rede CBS, o "Face the Nation."
Ele continuou: "Tem de haver uma reestruturação,
tem de haver uma reorganização, tem de haver alguma
confiança de que iremos parar essa queda em espiral."
Obama declarou que a aquisição não deveria
ser usada para "proteger investidores e especuladores que
contaram com o governo para obterem lucros massivos", enquanto
McCain denunciava "executivos que estavam fazendo milhares
de bilhões de dólares por ano enquanto as coisas
iam por água abaixo." O candidato republicano reconheceu:
"Esse é o tipo de camaradagem, a corrupção,
que faz com que as pessoas fiquem indignadas".
Tudo isso é demagogia. A especulação,
camaradagem e corrupção que impregnou as atividades
da Fannie Mae e Freddie Mac são símbolos do parasitismo
e da criminalidade da governante elite financeira da América
como um todo.
Além disso, essa união bipartidária em
apoio à tomada do controle das empresas é a mais
clara expressão da subordinação incondicional
dos dois maiores partidos políticos aos interesses fundamentais
da oligarquia financeira americana.
Um dos fatores decisivos para a intervenção do
governo no domingo foi uma auditoria nas duas empresas, executada
por consultores contratados da Morgan Stanley. Embora os relatórios
iniciais sejam incompletos, revelam que os auditores descobriram
que as duas empresas estavam aplicando os métodos da Enron
para esconder a real profundidade de suas crises, deixando de
anotar o valor dos títulos baseados nos empréstimos
subprime.
Como resultado, a quantia de capital que as empresas tinham
para se proteger das perdas extremamente limitada para
qualquer padrão era, na realidade, muito menor do
que o apresentado. Sua capacidade de aumentar o capital tinha
claramente acabado com a queda massiva nos preços das ações
nos últimos meses.
"A Freddie Mac tomou decisões contábeis
para empurrar as perdas no mercado de futuros e manter um complemento
de capital até o quarto trimestre deste ano, assim, as
perdas não precisariam ser reveladas até o início
de 2009", reportou o New York Times. "Fannie Mae tem
usado métodos similares, mas em um grau menor, segundo
informaram outras pessoas".
Ambas as gigantes do mercado hipotecário estiveram envolvidas
em escândalos financeiros anteriores. A Freddie Mac foi
abalada em 2003, depois de revelado que seu rendimento declarado
fora falsificado no valor de $5 bilhões de dólares.
Já a Fannie Mae foi acusada de "erros contábeis",
totalizados em $6.3 bilhões de dólares. Tanto a
Freddie quando a Fannie foram obrigadas a pagar multas e modificar
seus chefes executivos, mas nenhuma investigação
criminal foi aberta e nenhuma mudança real foi aplicada
nas atividades das empresas.
Como escreveu o New York Times a respeito dessas atividades,
as duas firmas usaram o apoio implícito do governo para
"obter empréstimos a taxas de mercado mais baixas
e ganhar dinheiro com retornos acima do mercado", que as
transformaram "em correspondentes aos gigantescos hedge
founds', que operam com pouco capital para se proteger de surpresas
inesperadas".
A Fannie Mae foi criada pelo governo federal em 1938, como
parte do New Deal, para injetar capital num mercado hipotecário
atolado durante a Grande Depressão. Era uma agência
pública com a explícita missão de promover
créditos governamentais para que as famílias médias
pudessem comprar casas.
Em 1968, ela tornou-se uma empresa privada, mas apoiada financeiramente
pelo governo, com o objetivo de aumentar o débito hipotecário
do governo sob as condições criadas pela Guerra
do Vietnam, que criava pressões fiscais crescentes. Freddie
Mac foi criada em 1970 de forma similar, como "uma empresa
apoiada pelo governo." Durante os anos 90, as duas agências
tornaram-se centrais na bolha especulativa imobiliária
que sustentou o boom do lucro em Wall Street, boom que precedeu
a crise atual do sistema financeiro mundial.
A escolha do governo pelos novos chefes executivos das duas
empresas que acabou de assumir deixa claro quais são os
interesses que pretende defender. Herbert Allison foi colocado
no leme da Fannie Mae, ex-vice-presidente da Merril Lynch. Para
dirigir a Freddie Mac, David Moffett, CEO do US Bancorp e atual
conselheiro sênior do Grupo Carlyle.