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Governo dos EUA assume o controle de gigantes hipotecárias para evitar colapso financeiro

Por Bill Van Auken
15 de setembro de 2008

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Publicado originalmente em inglês no WSWS em 8 de setembro de 2008

Em sua maior intervenção na economia americana desde a Grande Depressão dos anos 30, o Departamento do Tesouro do governo dos EUA anunciou, no domingo [07.09], que as duas gigantes do mercado hipotecário, Fannie Mae e Freddie Mac, seriam efetivamente nacionalizadas.

Marcado para anteceder a abertura das bolsas do mercado asiático, o anúncio de que as duas firmas serão colocadas sob proteção do governo não deixou dúvidas sobre a profundidade da crise econômica que confronta o capitalismo americano e mundial.

"Fannie Mae e Freddie Mac são tão grandes e tão intimamente ligadas ao nosso sistema financeiro, que a falência de uma das duas causaria um notável tumulto nos mercados financeiros, aqui e em todo planeta", disse o Secretário do Tesouro do EUA, Henry Paulson Jr., numa conferência de imprensa em Washington. "Uma falência seria prejudicial para o crescimento econômico e para geração de empregos. É por isso que tomamos essas ações hoje."

De fato, a falência dessas duas empresas evidencia a falência do capitalismo americano. São responsáveis, conjuntamente, por mais de dois terços de todas as hipotecas de imóveis nos EUA.

Apesar dos políticos de ambos os partidos [Democrata e Republicano] e a maioria das reportagens da mídia tentarem apresentar o plano como assistência para os proprietários de casas com problemas, é claro que a intervenção não fará nada para superar a crise pela qual passam milhões de trabalhadores.

Como reconheceu o New York Times no domingo: "O plano para financiar as empresas provavelmente fará pouco para que os preços dos imóveis parem de cair ainda mais. E as execuções de hipotecas irão, quase que certamente, aumentar."

"A injeção de dinheiro dará à indústria hipotecária uma estabilidade que não tivemos em alguns anos", disse Rich Cosner, presidente da Prudential Califórnia Realty, à Associated Press. "Mas, honestamente, não ajudará o refinanciamento (dos empréstimos com dificuldades)".

Seu verdadeiro objetivo é ajudar os bancos que investiram em títulos de dívidas da Fannie e Freddie. Estes bancos investiram conscientes de que o Tesouro dos EUA, em última instância, estaria por trás das assim chamadas "empresas asseguras pelo governo".

O custo imediato do financiamento será pago pelos contribuintes, assim como pelos acionistas, que verão seus investimentos partirem ao vento. Parte do plano anunciado no domingo autoriza o governo a comprar os ativos existentes a um preço simbólico de menos de um dólar por ação. Uma parte significativa desses investimentos é retida dos fundos mútuos tratados pelo "plano 401(K)", que constitui a única poupança de largos setores da força de trabalho americana.

Além disso, espera-se que os termos da aquisição resultem, ao menos, na falência de outros novos bancos. O FDIC (Corporação de Seguro do Depósito Federal, na sigla em inglês) emitiu um relato no domingo, afirmando que "apesar de muitas instituições terem ações ordinárias ou preferenciais dessas duas empresas patrocinadas pelo governo, um número limitado de instituições menores tem ações significativas, comparadas ao seu capital". A agência não disse quão "limitado" era esse número.

O plano anunciado por Paulson pede o investimento de mais de $200 bilhões de dólares em fundos governamentais para apoiar as duas gigantes do financiamento hipotecário.

O custo real, entretanto, se mostraria ainda maior. William Poole, o antigo presidente do Federal Reserve Bank de St. Louis, disse domingo que o governo poderia ser levado a gastar cerca de $300 bilhões de dólares para resgatar as duas companhias.

Com a ação, é a terceira vez desde o começo do ano que o governo norte-americano financia uma grande instituição financeira para afastar o perigo de um colapso eminente no sistema bancário americano e mundial.

No último mês de março, a injeção de $29 bilhões de dólares da Reserva Federal dos EUA foi realizada para subsidiar a compra do Bear Stearns pelo JPMorgan Chase. Em julho, o governo autorizou a injeção de fundos na Fannie Mae e Freddie Mac, ao mesmo tempo em que essas duas empresas privadas tinham permissão para fazer empréstimos diretamente do Fed.

Juntas, as duas empresas registraram $14.9 bilhões de dólares em perdas líquidas durante os últimos quatro trimestres, como resultado do aumento das execuções de hipotecas e da queda vertiginosa dos preços imobiliários.

Para vender o plano ao Comitê Bancário do Senado, em julho, Paulson argumentou que, "se você tem uma bazuca no seu bolso e as pessoas sabem disso, você provavelmente não terá de usá-la." A idéia era que, através da criação dessa rede de segurança, investidores privados se tranqüilizassem e emprestassem dinheiro para as duas empresas, que detêm ou garantem mais de $5 trilhões em dívidas hipotecárias.

Assim que foi anunciada, a "bazuca" teve o efeito contrário, convencendo investidores de que a Fannie e Freddie estavam caminhando à falência e à estatização. Como resultado, os preços de suas ações continuaram a desmoronar, tendo uma perda de 80% no seu valor somente neste ano.

Depois de horas de negociação na sexta-feira, depois de rumores de uma iminente aquisição que circulava em Wall Street, as ações da Fannie Mae caíram 21.9% e as da Freddie Mac 20.9%.

Um dos fatores para a intervenção do governo foi, aparentemente, a queda das ações da Fannie-Freddie para investidores asiáticos e outros estrangeiros. O Banco da China, o terceiro maior banco do país, anunciou, ao final de agosto, ter perdido cerca de $3.14 bilhões de dólares em dívidas de ações das duas empresas nos últimos dois meses. Outras bancos centrais estavam, aparentemente, seguindo esse padrão.

O banco central da Rússia, até agora, noticiou ter retirado aproximadamente $40 bilhões de dólares em seguros da Fannie Mae, do Freddie Mac e do Federal Home Loan Bank durante todo o ano, e espera fazer mais cortes.

A fuga de investimento nessas companhias asseguradas pelo governo aumenta, claramente, a possibilidade de um processo similar arrastar-se para os títulos do governo americano. Atualmente, a economia dos EUA depende dos investidores estrangeiros, principalmente dos asiáticos, que compram mais de $20 bilhões de dólares da dívida da agência americana mensalmente.

Ameaçando, implicitamente, tamanha retirada de dinheiro, o principal economista da China, Yu Yonding, ex-conselheiro sênior do banco central, comentou no mês passado: "Se o governo dos EUA permitir a falência da Fannie e da Freddie e investidores internacionais não forem compensados adequadamente, as conseqüências serão catastróficas. Se não é o fim do mundo, é o fim do atual sistema financeiro internacional".

Significativamente, a Standard & Poors, agência financeira de avaliação, sentiu-se obrigada a fazer uma declaração afirmando que a aquisição — que acrescenta uma dívida de $5 trilhões de dólares nas folhas de balanço de Washington — não resultaria na diminuição do rating de crédito dos EUA.

A profundidade da crise e o alcance da intervenção do governo são evidenciados pelo fato de Paulson ter informado, antes de anunciar o plano, não apenas o presidente Bush, mas também os candidatos democratas e republicanos, Barack Obama e John McCain, assim como outros líderes do Congresso.

Ambos os candidatos divulgaram seu apoio à intervenção, ao mesmo tempo criticando as últimas medidas do governo em relação às duas empresas de financiamento hipotecário.

"Essas entidades são tão grandes e estão tão ligadas ao mercado imobiliário que, provavelmente, é verdade que teremos de dar passos para termos certeza que não quebrarão", disse Obama numa audiência em Terre Haute, Indiana.

"Eu acho que temos de manter as pessoas em suas casas", declarou McCain numa entrevista realizada no domingo a um programa jornalístico da rede CBS, o "Face the Nation." Ele continuou: "Tem de haver uma reestruturação, tem de haver uma reorganização, tem de haver alguma confiança de que iremos parar essa queda em espiral."

Obama declarou que a aquisição não deveria ser usada para "proteger investidores e especuladores que contaram com o governo para obterem lucros massivos", enquanto McCain denunciava "executivos que estavam fazendo milhares de bilhões de dólares por ano enquanto as coisas iam por água abaixo." O candidato republicano reconheceu: "Esse é o tipo de camaradagem, a corrupção, que faz com que as pessoas fiquem indignadas".

Tudo isso é demagogia. A especulação, camaradagem e corrupção que impregnou as atividades da Fannie Mae e Freddie Mac são símbolos do parasitismo e da criminalidade da governante elite financeira da América como um todo.

Além disso, essa união bipartidária em apoio à tomada do controle das empresas é a mais clara expressão da subordinação incondicional dos dois maiores partidos políticos aos interesses fundamentais da oligarquia financeira americana.

Um dos fatores decisivos para a intervenção do governo no domingo foi uma auditoria nas duas empresas, executada por consultores contratados da Morgan Stanley. Embora os relatórios iniciais sejam incompletos, revelam que os auditores descobriram que as duas empresas estavam aplicando os métodos da Enron para esconder a real profundidade de suas crises, deixando de anotar o valor dos títulos baseados nos empréstimos subprime.

Como resultado, a quantia de capital que as empresas tinham para se proteger das perdas — extremamente limitada para qualquer padrão — era, na realidade, muito menor do que o apresentado. Sua capacidade de aumentar o capital tinha claramente acabado com a queda massiva nos preços das ações nos últimos meses.

"A Freddie Mac tomou decisões contábeis para empurrar as perdas no mercado de futuros e manter um complemento de capital até o quarto trimestre deste ano, assim, as perdas não precisariam ser reveladas até o início de 2009", reportou o New York Times. "Fannie Mae tem usado métodos similares, mas em um grau menor, segundo informaram outras pessoas".

Ambas as gigantes do mercado hipotecário estiveram envolvidas em escândalos financeiros anteriores. A Freddie Mac foi abalada em 2003, depois de revelado que seu rendimento declarado fora falsificado no valor de $5 bilhões de dólares. Já a Fannie Mae foi acusada de "erros contábeis", totalizados em $6.3 bilhões de dólares. Tanto a Freddie quando a Fannie foram obrigadas a pagar multas e modificar seus chefes executivos, mas nenhuma investigação criminal foi aberta e nenhuma mudança real foi aplicada nas atividades das empresas.

Como escreveu o New York Times a respeito dessas atividades, as duas firmas usaram o apoio implícito do governo para "obter empréstimos a taxas de mercado mais baixas e ganhar dinheiro com retornos acima do mercado", que as transformaram "em correspondentes aos gigantescos ‘hedge founds', que operam com pouco capital para se proteger de surpresas inesperadas".

A Fannie Mae foi criada pelo governo federal em 1938, como parte do New Deal, para injetar capital num mercado hipotecário atolado durante a Grande Depressão. Era uma agência pública com a explícita missão de promover créditos governamentais para que as famílias médias pudessem comprar casas.

Em 1968, ela tornou-se uma empresa privada, mas apoiada financeiramente pelo governo, com o objetivo de aumentar o débito hipotecário do governo sob as condições criadas pela Guerra do Vietnam, que criava pressões fiscais crescentes. Freddie Mac foi criada em 1970 de forma similar, como "uma empresa apoiada pelo governo." Durante os anos 90, as duas agências tornaram-se centrais na bolha especulativa imobiliária que sustentou o boom do lucro em Wall Street, boom que precedeu a crise atual do sistema financeiro mundial.

A escolha do governo pelos novos chefes executivos das duas empresas que acabou de assumir deixa claro quais são os interesses que pretende defender. Herbert Allison foi colocado no leme da Fannie Mae, ex-vice-presidente da Merril Lynch. Para dirigir a Freddie Mac, David Moffett, CEO do US Bancorp e atual conselheiro sênior do Grupo Carlyle.